Já depois de ser comunicada a exoneração de Ana Jorge e de toda a sua equipa, a administração da Santa Casa assinou dois contratos no valor total de 5,5 milhões de euros e cuja execução se prolonga por um ano. A concretização aconteceu num momento em que os gestores se sabiam já demissionários, mas antes de o afastamento ser formalizado pela publicação do despacho em Diário da República.

Os dois contratos são em tudo iguais, mantendo-se todos os termos, mas o preço contratual a pagar pela SCML no contrato firmado com a SIC pelos "serviços efetivamente prestados até ao limite de 3 milhões de euros" — acrescidos de "4% de taxa de exibição prevista" e de IVA à taxa legal — transforma-se em 2,5 milhões no que é assinado com a TVI. Ambos são concretizados na tarde do dia 29 de abril, já após ter sido comunicada a saída da Provedora.

A linha temporal é verificável pelas notícias e contratos publicados no Portal Base (plataforma que centraliza a informação sobre os contratos públicos celebrados em Portugal). Na madrugada de dia 29, o Público noticiava que o governo exigira um plano de emergência à Provedora da Santa Casa — mais tarde soube-se que, na verdade, a tutela pedira não um plano em 15 dias mas sim que Ana Jorge partilhasse o desenho das medidas que fora mandatada um ano antes para elaborar, de forma a fazer face à situação de rutura a que chegara a instituição, o que a responsável nunca fez. Poucas horas depois, tornava-se já conhecida a intenção do governo de, mediante o silêncio da Provedora e o incumprimento do envio de toda a documentação pedida pela tutela (incluindo ainda as contas de 2023 e a execução do primeiro trimestre de 2024), exonerar Ana Jorge e toda a equipa de gestão da santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML).

A decisão da ministra do Trabalho, Segurança Social e Solidariedade, foi comunicada pelo gabinete a Ana Jorge antes mesmo de ser publicamente conhecida, sabendo-se que o despacho seria publicado com a maior brevidade, uma vez que, desta forma, não se completaria um ano desde a entrada da gestão (a Provedora entrou a 2 de maio de 2023) e dessa forma não haveria lugar a pagamento de compensações.

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Mas nada disso impediu que a já demissionária administração da Santa Casa optasse por assinar nessa tarde os dois contratos de publicidade, um no valor de 3 milhões de euros, com a SIC, outro de 2,5 milhões, com a TVI, com retroativos a 1 de janeiro e que vinculam a instituição durante todo o ano de 2024. No total, são 5,5 milhões de euros adjudicados em publicidade no regime de "contratação exclusiva" — "contratos cujo objeto abrange prestações que não estão, nem são suscetíveis de estar, submetidas à concorrência de mercado". Os dois contratos foram publicados no Portal Base já a 30 de abril, o mesmo dia em que saiu em Diário da República o despacho de exoneração de Ana Jorge e respetiva equipa.

Dispensando concurso público, a SCML, lê-se nos contratos, "convidou" a SIC e a TVI a "apresentar proposta para a prestação de serviços de publicidade das marcas e submarcas" da Santa Casa e Jogos Santa Casa para 2024. Ambos assinados digitalmente pelo administrador João José Garcia Correia, "por delegação de competências da Provedora, Ana Jorge", um já perto das 16.00 e outro às 15.30 do dia 29 de abril, são também os dois certificados na mesma data pelo secretário-geral adjunto da SCML, Gonçalo Pereira Esteves, imediatamente antes e logo após as 16.00.